Diante da exagerada ênfase exegética à
perspectiva histórico-literal da Primeira carta de Pedro (a partir de agora
tratada como 1Pedro), surgiu a necessidade de buscar outra abordagem para
complementar os estudos e interpretação do documento entendendo que os
problemas dos cristãos da igreja primitiva não eram apenas de cunho teológico
mas também social e religioso. Para isso John Elliot busca elementos formadores
da sociedade em questão para determinar as condições em que esses cristãos
viviam.
A partir dos termos paroikos (estranhos residentes) e oikos thou Theou (casa de Deus) e correlatos o autor de 1Pedro
traça uma situação sociorreligiosa dos cristãos do primeiro século descrevendo
modalidades específicas de condição e organização social. O termo paroikos revela uma condição social dura
na qual os cristãos espalhados pelas províncias da Ásia Menor se encontravam.
Apontava para pessoas segregadas sem identificação social ou cultural.
As condutas exclusivistas dos cristãos
tornava-os ainda mais diferentes dos demais atraindo suspeição e hostilidade. O
sectarismo apresentado os colocavam numa situação de potenciais “rebeldes” da
ordem pública estabelecida.
Elliott se volta então para a estratégia
sociorreligiosa da carta que seria um documento escrito de crentes para crentes
que viviam sob ameaças constantes de hostilidade e resistência dos de fora. Seu
objetivo era exortar e consolar. A seita, em perspectiva sociológica busca
promover alto grau de consciência de grupo e solidariedade entre os membros
sendo que para isso ela precisa se manter separada do mundo e sem mancha. Para
isso a seita apresenta um código de conduta para reduzir a influência da sociedade
dominante de maneira que seja também um atrativo aos que estão fora da seita. É
uma dualidade com a qual John Elliott se depara; uma tensão para uma seita de
conversão uma vez que ela deve tanto evitar quanto evangelizar os estranhos.
Seus valores devem trazer segurança para os de dentro e convencer os de fora. A
estratégia do autor da carta então tem um foco sociorreligioso que busca
reforçar a consciência, a coesão e o comprometimento do grupo na Ásia Menor.
As rixas e perseguições aos cristãos também
são tratadas com cuidado por Elliott. Assim como podia trazer instabilidade à
seita, traria um chamado para promover coesão interna e fortalecer os laços e
comprometimento dos irmãos. Outro lado importante é que as lutas aproximam os
antagonistas já que eles mais interagem do que se distanciam e assim seria
melhor manter a luta e ter sempre oportunidade de evangelizar (com sua conduta)
do que se isolar por completo, uma vez que os não-cristãos eram potencialmente
futuros cristãos.
O conceito e significado de oikos na carta também é tratado. Segundo
o autor do livro esse conceito é fundamental para a interpretação da carta onde
a família de Deus tem um significado social proeminente. O oikos constituía a célula inicial da vida comunitária e era o
desejo de toda e qualquer pessoa, ser parte de uma dessas células pois elas
significavam aceitação e segurança social. Assim sendo essa era uma oferta
tentadora para os paroikoi.
O propósito da carta, levando-se em
consideração todas as questões ate aqui levantadas não pode ser visto como um
consolo aos peregrinos do céu aqui na terra, mas como uma tentativa de afirmar
a identidade comunitária e reforçar sua condição social dentro novo lar e que
agora tinham um status e dignidade.
O principal símbolo coletivo da carta é a
casa de Deus. A partir dele é construído todo o arcabouço argumentativo de
caráter, nova vida, solidariedade e salvação, e uma vez constituintes dessa
casa de Deus devem viver e comportar-se como tal, sujeitos à vontade dele. Para
isso o autor petrino traz um código doméstico onde elabora os papéis,
relacionamentos e responsabilidades de quem a integrava com a função de
exemplificar e estimular um comportamento com vistas a manter a coesão interna
sectária e o contraste social externo.
Por último, Elliott discorre sobre as
implicações ideológicas da carta petrina que segundo ele, vão alem de conteúdo
de ideias teologicorreligiosas. Promover a identidade coletiva e coesão interna
são exemplos de alguns aspectos ideológicos da carta.
Alguns fatos apontam para uma autoria
grupal e não individual mas que ela seria autenticamente petrina em seu
conteúdo e ideologia. Seria acima de tudo o testemunho evangélico e social de
Pedro levado à comunidade asiática menor por discípulos do apóstolo. Elliott se
envereda pelo caminho de que a carta tinha a intenção de afirmar os laços
sociais e religiosos entre os cristão de Roma e da Ásia Menor sob o nome de seu
líder mais notável (Pedro) trazendo em seu bojo uma eclesiologia e ideologia de
todo o movimento cristão constituindo uma sociedade dentro da outra, ou uma
sociedade para aqueles que não tinham sociedade; uma casa para quem não tinha
casa.
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