sábado, 7 de julho de 2012

Resenha: Um Lar Para Quem Não Tem Casa - Uma Interpretação Sociológica da Primeira Carta de Pedro. John Elliott; Ed. Paulus





Diante da exagerada ênfase exegética à perspectiva histórico-literal da Primeira carta de Pedro (a partir de agora tratada como 1Pedro), surgiu a necessidade de buscar outra abordagem para complementar os estudos e interpretação do documento entendendo que os problemas dos cristãos da igreja primitiva não eram apenas de cunho teológico mas também social e religioso. Para isso John Elliot busca elementos formadores da sociedade em questão para determinar as condições em que esses cristãos viviam.
A partir dos termos paroikos (estranhos residentes) e oikos thou Theou (casa de Deus) e correlatos o autor de 1Pedro traça uma situação sociorreligiosa dos cristãos do primeiro século descrevendo modalidades específicas de condição e organização social. O termo paroikos revela uma condição social dura na qual os cristãos espalhados pelas províncias da Ásia Menor se encontravam. Apontava para pessoas segregadas sem identificação social ou cultural.
As condutas exclusivistas dos cristãos tornava-os ainda mais diferentes dos demais atraindo suspeição e hostilidade. O sectarismo apresentado os colocavam numa situação de potenciais “rebeldes” da ordem pública estabelecida.
Elliott se volta então para a estratégia sociorreligiosa da carta que seria um documento escrito de crentes para crentes que viviam sob ameaças constantes de hostilidade e resistência dos de fora. Seu objetivo era exortar e consolar. A seita, em perspectiva sociológica busca promover alto grau de consciência de grupo e solidariedade entre os membros sendo que para isso ela precisa se manter separada do mundo e sem mancha. Para isso a seita apresenta um código de conduta para reduzir a influência da sociedade dominante de maneira que seja também um atrativo aos que estão fora da seita. É uma dualidade com a qual John Elliott se depara; uma tensão para uma seita de conversão uma vez que ela deve tanto evitar quanto evangelizar os estranhos. Seus valores devem trazer segurança para os de dentro e convencer os de fora. A estratégia do autor da carta então tem um foco sociorreligioso que busca reforçar a consciência, a coesão e o comprometimento do grupo na Ásia Menor.
As rixas e perseguições aos cristãos também são tratadas com cuidado por Elliott. Assim como podia trazer instabilidade à seita, traria um chamado para promover coesão interna e fortalecer os laços e comprometimento dos irmãos. Outro lado importante é que as lutas aproximam os antagonistas já que eles mais interagem do que se distanciam e assim seria melhor manter a luta e ter sempre oportunidade de evangelizar (com sua conduta) do que se isolar por completo, uma vez que os não-cristãos eram potencialmente futuros cristãos.
O conceito e significado de oikos na carta também é tratado. Segundo o autor do livro esse conceito é fundamental para a interpretação da carta onde a família de Deus tem um significado social proeminente. O oikos constituía a célula inicial da vida comunitária e era o desejo de toda e qualquer pessoa, ser parte de uma dessas células pois elas significavam aceitação e segurança social. Assim sendo essa era uma oferta tentadora para os paroikoi.
O propósito da carta, levando-se em consideração todas as questões ate aqui levantadas não pode ser visto como um consolo aos peregrinos do céu aqui na terra, mas como uma tentativa de afirmar a identidade comunitária e reforçar sua condição social dentro novo lar e que agora tinham um status e dignidade.
O principal símbolo coletivo da carta é a casa de Deus. A partir dele é construído todo o arcabouço argumentativo de caráter, nova vida, solidariedade e salvação, e uma vez constituintes dessa casa de Deus devem viver e comportar-se como tal, sujeitos à vontade dele. Para isso o autor petrino traz um código doméstico onde elabora os papéis, relacionamentos e responsabilidades de quem a integrava com a função de exemplificar e estimular um comportamento com vistas a manter a coesão interna sectária e o contraste social externo.
Por último, Elliott discorre sobre as implicações ideológicas da carta petrina que segundo ele, vão alem de conteúdo de ideias teologicorreligiosas. Promover a identidade coletiva e coesão interna são exemplos de alguns aspectos ideológicos da carta.
Alguns fatos apontam para uma autoria grupal e não individual mas que ela seria autenticamente petrina em seu conteúdo e ideologia. Seria acima de tudo o testemunho evangélico e social de Pedro levado à comunidade asiática menor por discípulos do apóstolo. Elliott se envereda pelo caminho de que a carta tinha a intenção de afirmar os laços sociais e religiosos entre os cristão de Roma e da Ásia Menor sob o nome de seu líder mais notável (Pedro) trazendo em seu bojo uma eclesiologia e ideologia de todo o movimento cristão constituindo uma sociedade dentro da outra, ou uma sociedade para aqueles que não tinham sociedade; uma casa para quem não tinha casa.